Passeio Público - Diário da Restauração Capítulo 7
O Resgate do Jardim de Glaziou
Matéria publicada originalmente na revista Mais Passeio - Ano 3 - Nº30 - outubro de 2004
A reforma do Passeio entrou na reta final. O jardim histórico, que deve ser reinaugurado na última semana de outubro, já está sendo gramado e rearborizado – espécies e soluções introduzidas no projeto do paisagista francês Auguste Glaziou estão retornando ao parque. No momento, várias mudas passam por uma fase de climatização – ou adaptação – às novas condições. Plantas de maior porte, como palmeiras imperiais, também estão sendo plantadas, remetendo ao projeto original de Glaziou.
A orientação para a restauração do Passeio, oriunda das reuniões do Grupo de Trabalho, composto por técnicos pertencentes à Fundação Parques e Jardins, IPHAN e a empresa Ópera Prima, é que se tivesse como referência o projeto de Glaziou, que alterou a planta de Mestre Valentim em 1861.
Mesmo que o Passeio tenha sofrido modificações em seu traçado, especialmente na área frontal do parque, vários elementos trazidos pelo paisagista francês foram mantidos e estão sendo agora recuperados.
Neste novo capítulo do Diário da Restauração teremos como foco principal o trabalho de paisagismo, que está procurando se aproximar o máximo possível ao plano Glaziou.
Foto: Mudas novas de plantas e arbustos em fase de aclimatação no Passeio.
Paisagismo
O Passeio Público teve uma conformação florística bastante variada ao longo de sua existência. Por esse motivo, os técnicos que estão trabalhando na parte de paisagismo na restauração decidiram fazer um inventário florístico de todas as espécies arbóreas e canteiros que existiam no parque.
Descobriu-se então que, do jardim de Glaziou, sobrevivem ainda grande parte das espécies assim como o desenho dos canteiros.
O próximo passo foi detectar os problemas de fitossanidade das espécies. Algumas árvores que não tinham condições de tratamento tiveram que ser removidas. As que possuíam, receberam tratamento fitossanitário.
A etapa seguinte foi analisar a iconografia do parque para se saber o que deveria ser preservado ou não.
A massa de bambuzal que até pouco tempo se estendia no gramado central interrompia o eixo da visão do Chafariz dos Jacarés. As imagens antigas mostraram que o bambuzal não estava originalmente localizado naquela área, mas próximo à região do aquário.
“Sugerimos a remoção desse bambuzal para locais onde a gente verificou pelas fotografias onde ele poderia estar no passado, como atrás da ponte de Pereira Passos”, explica a arquiteta-paisagista da Fundação Parques e Jardins Jeanne Trindade.
Uma outra questão abordada no projeto paisagístico foi o plantio de palmeiras imperiais numa aléia próxima à Fonte dos Amores. No projeto de Glaziou aparecia uma fileira de palmeiras imperiais, que se perderam ao longo do tempo, restando apenas uma. No dia em que a equipe da Mais Passeio esteve no parque, os técnicos estavam plantando as seis palmeiras que ocuparão aquela aléia. O pau-rei de 20m de altura e dois paus-ferros de menor porte que contrariavam o projeto Glaziou e que se localizavam naquele trecho foram removidos.
Jeanne Trindade lembrou que Glaziou, em seu projeto, plantou palmeiras imperiais ao lado de palmeiras baixas. Além da diferença de altura, ele alternava o tipo de folhagem: uma tinha forma de pena e a outra de leque, trabalhando com espécies de tamanhos e formatos diferentes. “Conheço muitos parques no Brasil e no exterior, e não me lembro de ter visto essa composição, que é bastante original”, revela Jeanne.
Outra espécie introduzida por Glaziou que será cuidada é a palmeira raphis, que foi bastante agredida por vândalos, chegando a ser queimada. As raphis, plantas baixas que aparecem próximas à pirâmide, serão agrupadas para fazer uma massa única.
Jeanne aponta também outra questão: tanto no Campo de Santana, como no Passeio e na Quinta da Boa Vista só restaram dois estratos de vegetação: a grama e as árvores e palmeiras. “Nas fotos antigas vimos que existiam muitos elementos intermediários, como arbustos de 50cm a 1,5m, que davam uma variedade maior nos matizes de verde”, explica ela. Algumas dessas espécies serão trazidas de volta ao parque. “A alternância de volumes dava uma riqueza maior ao Passeio”, acredita a arquiteta, acrescentando que não serão usadas forrações coloridas, pois contrariam o partido de parque inglês trazido por Glaziou.
De posse da lista de espécies introduzidas por Glaziou foram checadas que plantas ainda existem nos hortos do Rio. Arbustos já estão sendo trazidos para o Passeio, onde passam por uma fase de “adaptação”. As áreas onde eles serão plantados já foram marcadas. Jeanne conta que a equipe está tendo bastante cuidado com as plantas: “Trazemos as plantas de Jacarepaguá e deixamos elas ir sentindo o espaço novo, ir se acostumando às condições de luz, de poluição, ar, umidade. Não tiramos do vaso a princípio. Elas estão com a terra que vieram. Aos poucos nós as replantamos”.
Os pássaros também serão trazidos de volta ao Passeio por meio do plantio de árvores que produzem pequenos frutos. “O jardim romântico explicitava a presença de animais. Era criada uma natureza selvagem livre, sem a presença do homem, onde se pudesse ter todas as manifestações naturais. Queremos reintroduzir essa idéia com os pássaros”, finaliza Jeanne.
Foto: Uma palmeira imperial é plantada onde anteriormente havia uma aléia dessas espécies introduzidas por Glaziou.
Pavimentação: Solo Cimento
Um trecho do jardim já demonstra como será a nova pavimentação, feita à base de saibro com cimento (chamada de solo cimento). É essa a pavimentação que vai fazer o revestimento de todas as alamedas, como explicou a presidente da FPJ, Vera Dodsworth: “
Essa era a solução adotada antigamente. É uma boa pavimentação, pois é permeável e dura mais tempo”. Esse tipo de piso impede a formação de poças, além de dar um aspecto agradável ao jardim.
Foto: Assim será o pavimentação do Passeio: saibro com cimento.
Pórtico
As peças de ferro forjado do portão, todas feitas à mão, já foram repostas pela equipe do restaurador Fiorin.
Os trabalhos no pórtico do Passeio concentram-se agora na cantaria e nos objetos de ornamentação. A cantaria do portão está sendo lavada e tendo os rejuntes de cimento removidos. Os novos rejuntes serão feitos à base de argamassa de areia, saibro e pó de pedra para que não haja mais danos à peça. Em alguns locais, o rejunte assumia praticamente o papel de uma prótese preenchendo grandes lacunas e degradando a pedra.
Já os ornatos estão sendo restaurados por artesãos qualificados, como Leonardo Nunes (ver foto). Os vasos, que se acreditava serem de lioz, são na verdade de cimento. As peças estão tendo réplicas modeladas para ocupar as demais partes do pórtico onde elas apareciam no passado.
Também está sendo finalizada a recomposição das volutas, mísulas e guirlandas. A voluta do portão estava recoberta por argamassa, que foi retirada para que se tivesse novamente a volumetria original do objeto. As volutas estão sendo reproduzidas, à mão, através do processo de modelagem.
Foto: Técnico restaura os ornatos do pórtico.
Fonte dos Amores
Conforme mostrado no capítulo anterior do Diário da Restauração, a Fonte dos Amores está sendo restaurada pela equipe de Emílio Gianelli. No intervalo de um mês, o barrilete em gnaiss que, no passado recebia a água que esguichava da boca do jabuti nas mãos do anjinho, está quase todo recuperado, faltando apenas a colocação dos anéis de chumbo (faixas metálicas que o circundavam, dando a idéia de que era um barrilete em madeira). O barrilete do Menino da Bica estava descaracterizado pelo uso de próteses mal executadas com cimento na borda.
Já o piso da bacia, que até o início das obras de restauração estava com os liozes degradados pelo acúmulo de raízes e por rejuntes em cimento, traz nova aparência: o rejunte antigo foi substituído por um novo em cal, saibro e pó de pedra. A mureta interior da bacia, em gnaiss, também estava comprometida por pátinas, rejuntes e próteses inadequadas à base de cimento.
O corrimão da escada, junto ao montante em gnaiss da fonte, estava apresentando fraturas na pedra, o que já foi remediado pelos restauradores. A equipe de Gianelli também está trabalhando no preenchimento de trincas, falhas e lacunas, além de fazer rejuntamentos na área onde ficará o menino de bronze. O próximo passo será fazer uma limpeza e remoção das pichações nas peças.
O espectador que admira o monte onde se encontram os jacarés de Mestre Valentim vai ter uma surpresa: o conjunto está com um aspecto totalmente diferente do conhecido. Toda a vegetação que ali existia foi retirada, assim como será removida a terra em volta da pedra. O objetivo é valorizar as peças em bronze e deixar a pedra exposta. “
A vegetação encobria muito o monumento e ainda por cima o danificava, pois as raízes faziam muita pressão sobre as peças”, explica Vera Dias, chefe da Divisão de Monumentos e Chafarizes da Fundação Parques e Jardins.
Os jacarés de bronze estão aguardando a posição do IPHAN sobre como fixar
as caudas, dentes e línguas (solda, pinos, parafusos etc). As peças estão guardadas no barracão de apoio montado no interior do parque.
Em relação aos degraus inferiores do chafariz encontrados nas escavações arqueológicas, o IPHAN decidiu não mais instalar um guarda-corpo que isolasse o conjunto, em razão do mesmo descaracterizar a concepção de Valentim e atrapalhar a visão da fonte. Ainda está em estudo que tipo de material cobrirá o pequeno fosso em torno do chafariz: grama ou saibro.
Foto: O barrilete em gnaiss está quase todo recuperado,
faltando apenas a colocação dos anéis de chumbo
Quiosque de Alimentação
No lado esquerdo de quem entra no Passeio, próximo ao banco de argamassa instalado por Glaziou, funcionará um quiosque de alimentação, ou café, e um banheiro. Para atrair o público será aberto no gradil um portão lateral, como explica Vera Dodsworth: “Nós aprovamos junto ao IPHAN a instalação de um quiosque contemporâneo para alimentação. Estamos negociando com o IPHAN a colocação de mesas. A idéia é dar uma opção para que as pessoas façam refeições leves e lanches. Em função disso estamos abrindo o portão lateral para atrair as pessoas da Rua Senador Dantas. O café será um chamariz, como acontece no Museu da República”.
Foto: O novo gramado do Passeio. Ao fundo,
o quiosque que funcionará como banheiro.
Postes e Iluminação
Os postes em ferro fundido do Passeio não são originais da época de Glaziou, e sim contemporâneos à Reforma Pereira Passos, no início do século XX. As peças já foram tratadas e estão sendo recolocadas – dos 70 faltam apenas 5. Os postes foram limpos externa e internamente, decapados e pintados novamente, trabalho este realizado pela equipe do restaurador Fiorin.
O dado mais curioso em relação ao restauro dos postes foi a descoberta de grossas raízes de plantas e até de árvores no interior das peças em ferro fundido. “
Tivemos que cortar as raízes, e algumas, de tão rígidas, precisaram ser queimadas”, conta Vera Dias, lembrando que o fogo não danificou os postes, pois o ferro fundido agüenta altas temperaturas. Apesar da pressão das raízes, os postes suportaram bem durante todo esse tempo.
O parque terá iluminação cênica em três focos específicos: as pirâmides, os jacarés e a escultura do Tritão. Serão instaladas luminárias contemporâneas. “
Estamos usando as luminárias que a RioLuz vai adotar nas áreas protegidas e preservadas no Centro histórico do Rio”, explica a presidente da FPJ, Vera Dodsworth.