O Passeio no Século XXI
Passeio Público - Diário da Restauração Capítulo 2

Sítio-Arqueológico ou Canteiro de Obras?

Matéria publicada originalmente na revista Mais Passeio - Ano 3 - Nº25 - abril de 2004

Em uma bela manhã de outono, voltamos ao Passeio Público após a primeira visita às obras de restauração. De cara percebemos que muita coisa mudou de 11 de março para cá. Grande parte dos trechos abertos nas laterais do jardim para as obras de drenagem foi fechada. No entanto, outros buracos foram feitos no interior do parque, o que possibilitou um expressivo avanço na área de arqueologia: novas e significativas peças foram encontradas, incluindo ossos humanos e de animais.

A Chefe da Divisão de Monumentos da Fundação Parques e Jardins, Vera Dias, acompanhou o repórter da Mais Passeio nesta segunda visita ao grande canteiro de obras em que se transformou o parque de Mestre Valentim. Também participaram da tour a historiadora Jane Santucci e o engenheiro-florestal Adjalme Dias Ferreira, que integra a equipe da FB Engenharia, responsável pela execução das obras.

Na foto: O engenheiro-florestal Adjalme Dias Ferreira e a historiadora Jane Santucci acompanham a nossa equipe na visita ao parque.
Arqueologia · Ossadas no Passeio

Desde o início dos trabalhos de restauro, o Passeio se tornou um importante sítio-arqueológico. Em um barracão localizado na extremidade do parque estão guardadas todas as peças arqueológicas encontradas nas escavações do jardim. E não são poucas: pedaços de louças européias e chinesas, moedas do século XX e do tempo do Império, antigas fichas de ônibus, cacos de porcelana, garrafas de vidro e dezenas de ossos de bois e até de gente. Paulo Cesar Sarmento, arqueólogo da Universidade Estácio de Sá, que está realizando o trabalho de cadastramento das peças encontradas explica: “Achamos ossos longos, de animais, além de restos de cotidiano. A próxima etapa é lavar e limpar todo o material para estudá-lo melhor. Temos uma ficha de catalogação, onde detalhamos todas as informações, como de que quadrícula vieram as peças”.

Até o presente momento, três quadrículas foram abertas: uma no terraço, outra na inclinação próxima ao terraço e mais uma em frente à pirâmide. Para não danificar o material histórico, as escavações nestes locais não tem sido feitas com retroescavadeiras, mas à mão.

Mas como explicar a existência de ossos de animais do século XVIII no Passeio? Será que ali teria sido uma região de rossio (pastagem) ou abrigado um matadouro? A historiadora Jane Santucci tenta decifrar o mistério, lembrando que o aterramento do parque foi feito com material proveniente do desmonte do Morro das Mangueiras, que se erguia onde hoje está a Rua Visconde de Maranguape, na Lapa. Contudo, estas informações ainda precisam ser devidamente checadas pela equipe de pesquisadores.

As obras de arqueologia também revelaram a existência de estruturas que encontravam-se escondidas pelo tempo. Na área do terraço do jardim, foi descoberto nos últimos dias o local onde funcionou o Teatro-Cassino Beira 41Mar, demolido em 1937, na administração de Henrique Dodsworth. Os técnicos encontraram parte do piso do teatro feito em pastilhas preto-e-branco, de um local que poderia ter sido um lavabo. Também foram encontrados apoios trabalhados em ferro que eram usados para sustentar dutos de água.

A equipe de restauração conta que as obras de arqueologia prosseguirão em busca de vestígios das antigas construções que o parque abrigou. Até o final dos trabalhos muita coisa poderá ser encontrada (e desvendada). Os achados certamente ajudarão a esclarecer pontos importantes da história do Passeio e da própria cidade do Rio de Janeiro.
Paisagismo

A parte de paisagismo também sofreu grandes avanços de março para cá. A poda pesada das árvores já foi feita, provocando a retirada de toneladas de lixo do jardim. A vegetação do Passeio encontrava-se densa e baixa. Com a retirada da vegetação rasteira (como o “mar de sigônios”), pôde-se perceber com mais clareza os espaços e ângulos do parque, onde existiam no passado os gramados com depressão, característicos do paisagismo desenvolvido pelo francês Auguste Glaziou. A orientação geral adotada pelo Projeto de Paisagismo e pelo Projeto de Intervenção é a de respeito ao partido de Glaziou, de recuperação do desenho de seus canteiros.

O engenheiro florestal Adjalme Dias Ferreira, da FB Engenharia, revela o trabalho que está sendo feito neste setor: “O solo era muito arenoso, muito compactado. Estamos colocando terra estrumada, que é formada por saibro, terra preta e esterco. Com isso, cria-se uma camada de solo boa para as plantas”.

Algumas das espécies exóticas introduzidas por Glaziou ainda podem ser vistas no Passeio, como a palmeira raphis e a gameleira. Outro destaque, de época posterior, é a gigantesca amendoeira que se encontra na entrada do jardim. Segundo Adjalme, aquela é uma das mais antigas árvores desta espécie plantadas no Rio, e encontra-se em excelente estado de conservação.

De acordo com o projeto de restauração desenvolvido pela empresa Ópera Prima, deverão ser evitadas forrações coloridas, para não contrariar o partido de parque inglês. Os conceitos de estilo de jardim romântico serão mantidos nas plantas introduzidas. Plantas só são removidas ou por motivos fitossanitários irremediáveis, excesso de brotação junto da árvore mãe, e/ou quando possam colocar em risco a integridade física dos usuários do parque.
Restauração Artística

Nas últimas semanas também tiveram início os trabalhos de restauração do acervo artístico encontrado no Passeio. As esculturas das Estações do Ano, desenhadas por Mathurin Moreau e fundidas em 1860 no Val D'Osne, já estão sendo decapadas.

O processo envolve a remoção das várias e sucessivas camadas de tinta, que possibilitaram a perda dos detalhes das estátuas. O trabalho de remoção é delicado e minucioso, com cuidado para evitar quaisquer danos às peças. A decapagem (retirada da camada superficial de ferrugem, sujeira, restos de tinta e poeira) é feita com removedor especial.
Drenagem

Foi feita a galeria com tampa de concreto. O trabalho já está pronto na parte que beira a Rua Luís de Vasconcelos, mas outros buracos para as obras de drenagem continuam sendo abertos. Estão sendo feitas, em vários trechos, “caixas” que irão levar as águas laterais para a pequena galeria. As escavações estão seguindo o projeto que tem como base a topografia do parque. A altura máxima de escavação e de 1,50m. Prevê-se que até maio a drenagem esteja concluída.
Gradil

A grade do Passeio está sendo inteiramente trocada devido ao estado de deterioração em que se encontrava. O novo gradil tem um menor espaçamento entre as lanças para impedir a entrada de crianças, como vinha acontecendo ultimamente. O IPHAN já aprovou a cor e a pintura do gradil. Durante nossa visita ao parque, testemunhamos a retirada das antigas grades feita por tratores.
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